30 de jun. de 2008

Manifesto da Antropofagia Periférica

Sérgio Vaz

A Periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor. Dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune. Eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente galopando contra o passado. A favor de um futuro limpo, para todos os brasileiros.
A favor de um subúrbio que clama por arte e cultura, e universidade para a diversidade. Agogôs e tamborins acompanhados de violinos, só depois da aula. Contra a arte patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção. Contra a arte fabricada para destruir o senso crítico, a emoção e a sensibilidade que nasce da múltipla escolha.
A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.
A favor do batuque da cozinha que nasce na cozinha e sinhá não quer. Da poesia periférica que brota na porta do bar.
Do teatro que não vem do "ter ou não ter...". Do cinema real que transmite ilusão.
Das Artes Plásticas, que, de concreto, querem substituir os barracos de madeira.
Da Dança que desafoga no lago dos cisnes. Da Música que não embala os adormecidos.
Da Literatura das ruas despertando nas calçadas.
A Periferia unida, no centro de todas as coisas.
Contra o racismo, a intolerância e as injustiças sociais das quais a arte vigente não fala.
Contra o artista surdo-mudo e a letra que não fala.
É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. Aquele que na sua arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a mediocridade que imbeciliza um povo desprovido de oportunidades. Um artista a serviço da comunidade, do país. Que, armado da verdade, por si só exercita a revolução.
Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo da poltrona.
Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e espaços para o acesso à produção cultural.
Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril avantajado.
Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. Miami pra eles? "Me ame pra nós!".
Contra os carrascos e as vítimas do sistema.
Contra os covardes e eruditos de aquário.
Contra o artista serviçal escravo da vaidade.
Contra os vampiros das verbas públicas e arte privada.
A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza.
Por uma Periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor.
É TUDO NOSSO!


Poema-panfleto

Poema-panfleto

Preso por vender livros
Levo minha liberdade comigo
Livros
Presos
Estão prendendo
A língua que falamos
A língua de Eulália
Estão caindo de pau
No Curso de Lingüística Geral
Estão levando os livros
Para inquérito policial
Ficção e romances impedidos
É proibido
Preso por vender livros

Minha caneta está grávida
Esta quebra é sintática
Estão levando preso Madame Bovary
O Pai Goriot, Lord Jim, Quincas Borba
E toda Ilustre Casa de Ramires
Que palavra busco no dicionário:
Retirada/Repressão. Que dicionário?
O dicionário foi sentenciado
Seja ele inglês espanhol latim hebraico
Vários Escritos presos
Presos Gregório, Florestan, Caio Prado Jr.
E os Lusíadas estão proibidos
Preso por vender livros

Cláudio Laureatti

O Milagre da Poesia

Sou poeta,
E como poeta posso ser engenheiro
E como engenheiro
Posso Construir Pontes com versos
Para que pessoas possam passar sobre rios,
Ou apenas servir de abrigo aos indigentes.
Sou poeta,
E como poeta posso ser médico
E como médico
Posso fazer transplantes de coração
Para que pessoas amem novamente,
Ou simplesmente receitar poemas
Para tristezas com alegrias
E alegrias sem satisfação.
Sou poeta,
E como poeta posso ser operário
E como operário
Posso acordar antes do sol e dar corda no dia,
E quando a noite chegar, serena e calma,
Descansar a ferramenta do corpo
No consolo da família, auto peças de minha alma.
Sou poeta,
E como poeta posso ser um assassino
E como assassino posso esfaquear os tiranos
Com o aço das minhas palavras
E disparar versos de grosso calibre na cabeça da multidão
Sem se preocupar com padre, juiz ou prisão.
Sou poeta,
E como poeta posso ser Jesus
E como Jesus
Posso descrucificar-me,
E sem os pregos nas mãos e os fanáticos nos pés
Andar livremente sobre terra e mar
Recitando poesia em vez de sermão.
Onde não tiver milagres
Ensinar o pão
Onde faltar a palavra
Repartir a ação.

Sergio Vaz

O arco que sou e envergo
dobra-se infinitamente
Se enxergo
este mar aberto
e navego quieto
Doce da certeza
De uma vida bela posta

Kleber Gutierrez